Há tempos a CNTE tem afirmado que a Lei do Piso representa mais que
uma legislação restrita aos interesses do magistério, na medida em que
força a moralização e a transparência das contas públicas. Inadmissível,
portanto, é a insistência de governadores e prefeitos em alegar falta
de verbas para honrar a lei federal do piso, sem que apresentem uma
única prova, à luz dos limites legais do marco regulatório do
financiamento da educação (art. 212, CF e art. 60, ADCT-CF), sobre as
pretensas contingências orçamentárias.
Após constatarem a crescente força da mobilização dos trabalhadores
em educação de todo país, que promoveram greve nacional na última
semana, alguns gestores passaram a municiar parte da mídia com
informações sobre a incompatibilidade do piso com a Lei de
Responsabilidade Fiscal. Alegam estarem impedidos de promoverem a
valorização da carreira do magistério em razão dos limites impostos pela
LRF. Contudo, em momento algum, manifestam compromisso em abrir a
“caixa-preta” dos gastos públicos para mostrar à sociedade onde estão
sendo aplicados, de fato, os recursos da educação.
Outros gestores, contrariando o princípio jurídico de que ninguém
pode alegar desconhecimento da lei para não cumpri-la, dizem esperar a
publicação do índice de atualização do piso em ato administrativo do
MEC, numa inadmissível ignorância sobre a autocorreção assegurada no
art. 5º da Lei 11.738. Ao Ministério da Educação, registre-se, compete o
papel de induzir o cumprimento da legislação, por parte de estados e
municípios, e de efetuar a suplementação financeira onde houver
(comprovadamente) limitação de recursos para honrar o piso.
Desde 2009, contrariando a tese da falta de recursos, nenhum estado
ou município brasileiro conseguiu provar com base nos requisitos
listados na Portaria MEC nº 213/2011, a incapacidade financeira para
honrar o piso na carreira do magistério. A mencionada portaria exige
nada mais que o cumprimento das legislações básicas do marco regulatório
educacional, coisa que quase todos os entes da federação não conseguem
comprovar. Há, no entanto, quem alegue – e com razão – que também falta
ao MEC divulgar os critérios de repasse da suplementação financeira ao
piso, mas essa omissão do Ministério, embora reprovável, não impede que
qualquer ente federativo que prove os requisitos da Portaria/MEC tenha
acesso ao direito líquido e certo previsto no art. 4º da Lei 11.738. O
problema, todavia, reside na prova da aplicação correta dos recursos
educacionais, coisa que estados e municípios não fazem desde o
julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.167), quando o
Supremo Tribunal Federal rejeitou o discurso evasivo da falta de
recursos.
Sobre a (pseudo) celeuma em torno da incompatibilidade do piso com a LRF, vale destacar o Parecer nº 1/2007
da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que
esclarece o caráter de preservação do limite (mínimo) constitucional
destinado à manutenção e ao desenvolvimento do ensino – fonte de
financiamento dos salários do magistério e dos demais profissionais da
educação – devendo o mesmo ser absorvido (integralmente) no cômputo das
despesas de pessoal da LRF. Em outras palavras: desde que a carreira do
magistério (e dos demais profissionais da educação) se enquadre no
percentual constitucional vinculado à educação (25% no mínimo da receita
de impostos e de transferências da União a estados e municípios), não
há que se falar em descumprimento da LRF. Se assim não fosse, o
compromisso firmado na meta 17 do projeto de lei do Plano Nacional de
Educação seria considerado natimorto, pois não haveria possibilidade de
equiparar a remuneração média do magistério à de outros profissionais
com mesmo nível de formação acadêmica. Portanto, os ajustes para a LRF
têm que ser feitos em outras áreas, e nunca dentro das verbas vinculadas
à educação.
Diante do cenário de amplo descumprimento da lei do piso do
magistério, a CNTE reforça o compromisso de mobilização nos estados e
municípios, através de seus sindicatos filiados, visando o pleno
cumprimento da Lei 11.738, ao mesmo tempo em que convida os gestores
públicos compromissados com a educação de qualidade a lutarem por 10% do
PIB para a educação, em âmbito do PNE. A Confederação também requer das
administrações públicas o compromisso com a transparência dos recursos e
o controle social, devendo o pacto pela educação proposto pelo ministro
Mercadante caminhar no sentido da regulamentação do regime de
cooperação institucional, onde a partilha do bolo tributário seja
calibrada tanto pela capacidade contributiva de cada esfera (União,
Estados, DF e Municípios) como pelo esforço fiscal (art. 75, I da LDB)
dos entes federados em cumprirem com suas prerrogativas constitucionais –
inclusive a de universalização das matrículas escolares com padrão de
qualidade.
Importante dizer que o expressivo percentual de atualização do Piso,
em 2012, que cumpre o objetivo de reparar a histórica defasagem salarial
do magistério, tem como fator de indução (negativo) a diminuição das
matrículas de estudantes nas redes públicas. Ou seja: ao não investirem
na erradicação do analfabetismo e na inclusão de todas as crianças e
jovens na escola, os entes federados – além de negarem um direito social
previsto na Constituição – deixam de acumular mais verbas para a
educação com base nos valores per capita do Fundeb, diga-se de passagem,
ainda insuficientes. Com isso, os percentuais de reajuste do Fundo da
Educação Básica e do Piso do Magistério, obtidos da relação entre a
receita tributária e as matrículas, ao invés de aumentarem por pressão
social sobre o orçamento, tendem a crescer em função da grave omissão do
Poder Público em colocar na escola todas as crianças e jovens que dela
estão fora.
Em suma: as contas públicas e a gestão educacional, a exemplo da
relação professor-aluno no sistema de ensino, são a fonte para entender o
(des)cumprimento do piso. Abrir esse debate na sociedade, tornando
pública as contas da administração, é o primeiro passo para sanar a
confusão que se tenta criar em torno dessa importante política pública,
vital para o desenvolvimento sustentável do país.
FONTE: http://www.cnte.org.br/index.php/comunica%C3%A7%C3%A3o/cnte-informa/440-cnte-informa-613-23-de-marco-de-2012/9917-engodos-e-subterfugios-para-descumprir-o-piso
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